Quando o chão vira texto

Escrever e caminhar carregam entre si gramáticas bastante semelhantes. Mais do que isso, caminhar ajuda a construir textos. Parece que as palavras brotam mais rápido quando o corpo se movimenta. Quantas vezes, ao sair caminhando pelas ruas , textos inteiros se desenham em silêncio. É como se o cérebro recebesse mais oxigênio em pé e as palavras tomassem o sistema circulatório. Por esses malabarismos todos da palavra que se faz em movimento, chego a conclusão que andar tem um texto próprio. Existe de fato uma gramática dos caminhantes. Só quem escreve andando sabe bem como isso acontece. O texto do … Continuar lendo Quando o chão vira texto

Um cafezinho, por favor!

Tem expressões que estão tão impregnadas na vida da cidade que não conseguimos compreender o quanto de particular elas carregam da nossa experiência urbana. Quem nunca ouviu da boca de um cidadão de São Paulo o pedido de “ um cafezinho, por favor. “ Não há nada de estranho no pedido. Porém, o estranhamento surge quando este pedido recua no tempo e vemos em reportagens dos anos de 1970 o cafezinho virar destaque nas primeiras páginas pela alta do preço. As reportagens não poupam os consumidores e nem as mais variadas maneiras de tomar um gole de café. Na xícara, … Continuar lendo Um cafezinho, por favor!

Mais cinco esculturas de personalidades negras na capital e você pode votar!

Há pouquíssimas estátuas na cidade que retratam pessoas negras. As mais antigas que me lembro aqui são o busto de Luis Gama no Largo do Arouche e a estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandú. Das duas, apenas Luis Gama tem nome próprio. A Mãe Preta, carrega o peso da marca do racismo estrutural, apesar de todo sincretismo que encanta e integra sua presença na história negra na área central da cidade de São Paulo. Ela se localiza ao lado da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, transferida do antigo Largo do Rosário, atual Praça Antonio Prado, para o … Continuar lendo Mais cinco esculturas de personalidades negras na capital e você pode votar!

Cracolândia: o retorno de velhas ideias para o Bom Retiro

Anteontem o governador de São Paulo cogitou na possibilidade de levar a Cracolândia para o bairro do Bom Retiro. Justificou sua escolha por conta dos equipamentos existentes no bairro. “A mudança teria como objetivo aproximar os dependentes químicos dos equipamentos da prefeitura para atendimento à população em situação de rua, como o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas e uma unidade da Assistência Médica Ambulatorial.” ( Carta Capital, 19/07/23) Porém, a proposta não é nenhuma novidade. Nos anos de 1940, o dr.Adhemar de Barros, interventor do Estado de São Paulo quando Getulio Vargas foi presidente do país, indicou o … Continuar lendo Cracolândia: o retorno de velhas ideias para o Bom Retiro

Vitória na avenida Paulista

Quando era pequena fugia pra perto. Ia para uma praça que ficava uns 200 metros de casa. Depois passei a experimentar me soltar da mão da minha mãe pelas ruas: quando ela se detinha numa loja , eu ia cada vez mais longe, mas sempre voltava. As longas pernas da minha mãe eram meu porto seguro. Então sonhei pegar um navio, atravessar o oceano, queria ser marinheira e viver de porto em porto. Mas ai ficou difícil, não sabia a direção do porto: norte, sul, leste, oeste? Em algum momento tive medo, algo aconteceu de muito complicado que passei a … Continuar lendo Vitória na avenida Paulista

A majestade o sabiá

Um sabiá-laranjeira voou da Praça da República e pousou na seção de esculturas do Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo esperando que alguém o adote para voltar para o seu lugar de origem, o espelho d’água da praça mais pública da cidade, onde suas patinhas se fixavam num sutil pedestal. Num belo  dia dos anos de 1960 foi dado ao sabiá-laranjeira a honra de ser o representante oficial dos pássaros do Brasil . Exatamente no dia 05 de outubro de 1968, o decreto oficial do Presidente Artur da Costa e Silva instituía o ” Dia da Ave”. E foi assim … Continuar lendo A majestade o sabiá

Os muros barulhentos da ultima morada!!!

Tudo no arquivo é silêncio mas, se você olhar em volta, verá de tempos em tempos um olho brilhando, uma mão repleta de luvas e rostos mascarados anotando um fato capturado nestes longos momentos de leitura e barulhinhos de caixas que se abrem e fecham. Eis ai um tipo singular de humano, o pesquisador de arquivos. Para se conhecer uma cidade, não basta ler um monte de livros de história e revistar documentos antigos em arquivos. Falando assim parece que estou “cuspindo no prato que comi” a vida toda, mas isso não é verdade. Amo um livro de história, um … Continuar lendo Os muros barulhentos da ultima morada!!!

Hoje vai dar praia aqui em Sampa!

Como não deixar de dar parabéns pra cidade que mais amo no mundo. Por que foi onde nasci? acho que é pouco. Onde aprendi a falar o brasileiro, peguei sotaque paulistano , aquele do Adoniran Barbosa? já tá melhorando bastante. Por onde fugi de casa tantas vezes, primeiro pra perto, uma praça, depois me soltando das mãos da minha mãe, me perdendo ao agarrar as pernas de outras mães que não eram as dela e voltar. Até, finalmente, não mais me importar com o fato de estar perdida. Então sonhei mais longe. Não bastava fugir e voltar, queria pegar um … Continuar lendo Hoje vai dar praia aqui em Sampa!

O Brasil é o Museu do Índio *

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Aldeia indígena do povo Guarani Mbya, Parelheiros Foto: Pedro Robles. Julho/18

*Este post foi feito em 2018 porém ao reeditar meu blog aconteceu um bug e tive que retirá-lo não conseguindo colocar de volta.  Por conta do momento atual achei por bem postar novamente  e salvar o conteúdo já publicado que contribui com a discussão atual sobre o ” Marco Temporal” e a demarcação das terras indígenas. 

A sacada humorística de Millôr que dá título a este post a cada dia faz mais sentido para mim. Sou antropóloga de formação, mas  nunca estudei grupos indígenas, pesquiso cultura urbana desde sempre. Porém, em maio deste ano, quando tive a oportunidade de participar de um evento no Departamento de Psicanálise do Sedes, “Deslocamentos”, na primeira mesa, “Novas Histórias”, a questão indígena surgiu com a participação do Tiago Honório dos Santos Karai , liderança do povo Guarani Mbya, localizada em Parelheiros . O Tiago chegou no Sedes com sua companheira e  filho. No lanche, um pouco  antes da abertura do seminário,  quando falavam entre si, usavam o tupi-guarani, quando falavam comigo, era o português. De certa forma  sentia-me recepcionando  estrangeiros em sua própria terra.

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Histórias de guarita : encantados do Pacaembú.

Senta que lá vem história!Da onde falo?Das matas do Pacaembú, onde se escondem os escravos fugidos dos sobrados do centro e das chácaras de São Paulo. Outro dia vi Dona Maria Antonia procurando uma escrava já com seus 60 anos . Deve ter se embrenhado nas terras do João Ramalho. Ela anunciou no jornal por muitos dias. Queria sua escrava de volta. Eu não sabia que Pacaembú era tudo que vai daqui de Perdizes até a Consolação, chegando ali na Doutor Arnaldo. Isto aqui era uma única Sesmaria cortada pelo riacho do Pacaembú, que esta lá na avenida Pacaembú canalizado.Outro … Continuar lendo Histórias de guarita : encantados do Pacaembú.

Cuidado, você pode se contaminar: uma epidemia de memórias ronda as ruas da cidade.

Para quem afirmava que São Paulo não tem memória, desabafo comum de muitos paulistanos que voltam de viagens às  cidades europeias  e ficam deslumbrados com o dinamismo do patrimônio cultural de lá, aqui vai uma boa nova. A cidade considerada desmemoriada , sem rosto definido, está mudando de caráter e já faz algum tempo.  Apesar de uma parcela bastante expressiva destes turistas que amam o bem comportado patrimônio cultural europeu ainda não se aventurarem pelas diversas atividades que já se anunciam na querida Paulicéia. Temos notícias de que  muita gente que se jogou na experiência de conhecer sua própria cidade,  encantou-se  com a aventura  de  embrenhar-se  em universos … Continuar lendo Cuidado, você pode se contaminar: uma epidemia de memórias ronda as ruas da cidade.

Luto por Mithes Bernardes: autora do piso mais famoso de São Paulo!

O versão paulo esta de luto pela morte da criadora da calçada mais famosa da cidade. Não existe imagem-título porque a fotografia já esta dada, é a calçada do cabeçalho do versão paulo mesmo. Esta que é a cara da cidade, chão que foi criado por uma funcionária pública de carreira para as calçadas da cidade. Nesta última Jornada do Patrimônio Histórico de dez/20, fui ao passeio da minha amiga Wans Spiess, do Calçada SP. Fizemos um percurso que foi da praça da República até a praça Roosevelt observando pisos e pensando os caminhos dos pedestres da cidade. Mirthes foi … Continuar lendo Luto por Mithes Bernardes: autora do piso mais famoso de São Paulo!